O MUNDO DO CINEMA - desde 2013

Criar uma Loja Virtual Grátis

House with a Clock: livro vs. filme

House with a Clock: livro vs. filme

THE HOUSE WITH A CLOCK IN ITS WALLS: LIVRO VS. FILME

 

The House With a Clock In Its Walls, que estreou em 2018, reúne uma série de elementos que tornam a obra irresistível para qualquer cinéfilo:

- uma produção Amblin (a produtora de Steven Spielberg)

- dirigido por Eli Roth, realizador renomado de filmes de terror sangrentos (como Cabin Fever Hostel)

- escrito por Eric Kripke, criador de séries populares como Sobrenatural The Boys

Jack BlackCate Blanchett e KYLE MACLACHLAN (o eterno Agente Cooper de Twin Peaks) no elenco

- adaptação de um clássico da literatura juvenil de John Bellairs

O filme saiu-se bem nas bilheteiras e as críticas não foram más, mas é como se já ninguém se lembrasse do filme. Eu nunca o esqueci. O filme levou-me a comprar o livro e gosto de revisitar ambos no fim do verão, naquele período transitório entre o fim do estio e o início do outono. Basicamente, é o meu aquecimento para o Halloween. Considero o filme superior ao livro em muitos aspetos. O guião do filme fez mudanças significativas à obra de John Bellairs. O worldbuilding é melhor, e as personagens são mais elaboradas. No livro, não há Cadeira, Snakespeare, Captain Midnight, nem sala de brinquedos diabólicos ou abóboras que vomitam, e Louis não usa os óculos de mergulho. No filme, a Sra. Zimmerman ganha uma backstory que envolve a perda do marido e da filha. No livro, é Selenna Izaard quem é trazida de volta à vida; no filme, é o seu marido Izaac que ressuscita e tem o papel de vilão. O próprio relógio tem funções diferentes: no livro, faz retroceder o tempo para Izaac poder regressar ao momento propício para realizar um feitiço que trará o Fim do Mundo; no filme, o relógio faz um reset ao mundo, fazendo as pessoas rejuvenescerem cada vez mais até desaparecerem. E o motivo de Izaac querer restaurar o mundo tem motivações muito mais detalhadas no filme – ele combateu na guerra e quer apagar os horrores que presenciou. Perdido na floresta, acaba por invocar um demónio – Azazel, o quarto príncipe do Inferno (os fãs de Sobrenatural vão reconhecer o nome) – que lhe transmite o conhecimento de como construir o relógio. As diferenças não ficam por aqui. No filme, Izaac morre durante a criação da chave do relógio - feita a partir do osso da vizinha, a Sra. Hanchett. A sua mulher, Selenna, sobrevive, e mais tarde transforma-se na Sra. Hanchett, uma vez que ela consegue assumir qualquer aparência que queira. Também visita Lewis disfarçada da mãe dele, incitando-o a procurar a chave e o livro de necromancia que a trará de volta à vida. No livro, Selenna morre em circunstâncias pouco claras, e é Izaac quem sobrevive. Quando Selenna ressuscita, muda-se para a casa dos Hanchetts (presumivelmente após escorraçá-los), com a ajuda de uma personagem exclusiva do livro, o Sr. Hammerhandle, que invade a casa do Tio Jonathan para roubar a chave do relógio e que, mais tarde, é presumivelmente morto por Selenna para ela usar o sangue de um enforcado para fazer uma Mão da Glória.  

Alguns elementos são mantidos no filme – Lewis é um choramingas tanto no formato literário como no meio audiovisual. No fim da história, tanto nas páginas como no ecrã, a amizade de Lewis e Tarby chega ao fim, e Lewis aproxima-se de Rose Rita Pottinger – que, no livro, nutre uma paixão bizarra por canhões e, no filme, tem uma obsessão por insetos.

O fime elimina passagens que não servem nenhuma função na história, como recriações mágicas de guerras na sala da Sra. Zimmerman, e o Tio Jonathan a eclipsar a lua só porque Lewis quer impressionar  Tarby (a propósito, toda esta parte do livro parece descrever uma trip induzida por LSD). No filme, há realmente um eclipse lunar na noite em que o relógio faz o tempo voltar atrás.

As regras de magia são um pouco vagas no livro. Apesar de o saxofone de Jonathan, o guarda-chuva da Sra. Zimmerman e a bola 8 mágica de Lewis serem mencionados no livro, o filme parece defini-los como objetos mágicos que canalizam a magia deles, uma espécie de veículo para a magia do feiticeiro.

Não pude deixar de reparar num subtexto queer no filme. A backstory exclusiva para o filme de Jonathan revela que ele foi expulso de casa pelo pai (por gostar de magia, sim, mas lembrem-se que isto é subtexto). Mais tarde, a relação dele com a Sra. Zimmerman é descrita por Lewis como “platónica” (já agora, o interesse de Lewis por aprender palavras novas é outra novidade trazida pelo filme) – eles não têm nada romântico um com o outro, e o Tio Jonathan parece ser um solteiro quarentão, algo insólito para 1955 (outra mudança em relação ao livro, cuja história decorre em 1948). Lewis, que parece ser mais sensível do que os outros rapazes e não gosta de desporto, além de querer tanto impressionar Tarby, diz ao tio que acha que ele também pode ser um “cisne negro”. Vamos trocar “gostar de magia” por “gostar de rapazes” e “cisne negro” por “gay”, e teremos uma nova visão da história.

Este filme tem um lugar muito especial no meu coração e gostaria que fosse descoberto por mais pessoas. O livro também vale muito a pena ler. Ambos se chamam O Mistério da Casa do Relógio em Portugal.